Vivacidade: Santa Dulce, o início da trajetória da mãe dos pobres, na Cidade Mãe de Sergipe

25/08/2023 - 22:39 Atualizado há 22 minutos



 

Após dar à luz ao seu filho Gabriel, Claudia Cristiane Santos Araújo, moradora do município sergipano de Malhador, começou a sofrer uma hemorragia que, mesmo após 18 horas e três cirurgias, não parecia possível de estancar. Àquela altura os rins já paravam de funcionar e o aviso à família deixava claro: apenas um milagre poderia salvar a vida dela.

 

“Eu não sabia nem se meu filho tinha nascido. Era uma hemorragia sem fim. O médico retirou o útero para tentar parar o sangramento chegou a um ponto que não sabia mais o que fazer. Não havia salvação para a minha vida”.

 

Mas o milagre estava destinado a acontecer e, para isso, um intermediário foi necessário:  

 

O padre José Almir de Menezes, que tinha  devoção pela Irmã Dulce ficou sabendo da situação de Claudia e, com uma imagem da freira, se deslocou até o quarto do hospital onde estava a mulher, em Itabaiana. “Quando ele me perguntou se eu  acreditava na intercessão de Irmã Dulce, eu disse que sim e pouco tempo após uma corrente de orações, o sangramento parou. Foi a Irmã Dulce que me tocou”, relata Cláudia, emocionada.  Ela recebeu alta médica no dia seguinte.

 

 

Claudia Cristiane                                                                                                                                                                    Foto: Yuri Rosat (Correio)

 

 

Em outubro de 2010, o colegiado da Congregação para a Causa dos Santos reconheceu por unanimidade a autenticidade do milagre que salvou a vida de Claudia. O caso dela foi analisado por 10 peritos médicos brasileiros e seis italianos, teólogos, e o colégio cardinalício, o que naquela altura, resultava no processo de beatificação da Irmã Dulce. Era o primeiro milagre reconhecido no Vaticano daquela que, em 2019, viria a se tornar santa. 

 

O fato do primeiro milagre operado por Irmã Dulce ter ocorrido em Sergipe, parece reforçar a sagrada relação da Santa com o menor estado do Brasil. Conhecida como o “Anjo Bom da Bahia”, onde nasceu e passou a maior parte da sua vida, foi em terras sergipanas que iniciou a jornada de fé da mulher que ficou conhecida por destinar a sua vida a oferecer cura e cuidados aos mais pobres. Mais precisamente, em São Cristóvão. 



Da jovem Maria Rita à noviça Irmã Dulce

 

 

 

Irmã Dulce na juventude 

 

Convento de Nossa Senhora do Carmo, 1933. Aos 19 anos a jovem baiana Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, chega ao local tradicionalmente conhecido como escola de formação de diversas ordens religiosas, em especial, dos carmelitas, na primeira capital de Sergipe.  Na chegada, como exercício de desapego, a menina é convidada a deixar a sua boneca Celica, o objeto que mais gostava. Era o primeiro passo para se entregar aos propósitos de Cristo.

 

 Como postulante à congregação da Imaculada Conceição, era natural que tivesse sido a cidade de São Cristóvão a escolhida para recebê-la para o postulantado e o noviciado realizado durante o período de 1 ano e 5 meses.  

 

O postulantado é o período de iniciação daqueles que se interessam em viver a experiência de uma vida religiosa consagrada. O noviciado é uma segunda etapa, de imersão à oração para a contemplação da beleza de Deus.

 

 

Irmã Dulce no Convento do Carmo (em destaque)

 

 

Carmelita em missão em São Cristóvão, o alagoano Frei Henrique conta que já passou por outros lugares, como a Argentina, mas têm na Cidade Mãe de Sergipe um momento especial na sua vida, convivendo e sendo inspirado pelo local onde Irmã Dulce firmou definitivamente sua aliança com Deus: 

 

“Quando eu fiz meu noviciado aqui, vivendo essa experiência de sede de Deus, me fortaleci por saber que aqui passou uma mulher que se deixou ser moldada por Deus. Através dos pobres ela se encontrou para mostrar ao povo mais necessitado esse amor, enxergando a imagem de Deus em cada um deles”, relatou o religioso. 

 

 

Frei Henrique

 

 

Em São Cristóvão, a Irmã Dulce fez os votos temporários, onde recebeu o hábito preto das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus e, posteriormente, realizou os votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência. Em 13 de agosto de 1933 morre para o mundo Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes e nasce Dulce, nome que recebeu em homenagem a sua mãe, falecida quando tinha apenas 7 anos de idade. 

 

A partir dali, Dulce seguia firme para um propósito de fé que parece sempre ter norteado a sua vida, como conta o historiador e diretor geral do Arquivo Público de São Cristóvão, Adailton Andrade: 

 

“Ela já tinha uma vocação com treze anos e já fazia caridade. É interessante que aquela mulher, apesar de ter uma estatura baixa, conseguiu conquistar uma moral, um respeito pelas ações de caridade. Há vários depoimentos de pessoas que dizem que quando ela ia assistir à missa na Igreja São Francisco, aquela riqueza da igreja, com altares de ouro, traços da igreja colonial, incomodavam, ela gostava de estar numa igreja mais simples. Ela atravessava e vinha para a Igreja Santa Isabel, que hoje é anexa ao Paço Municipal”, contou o historiador”. 



Adailton Andrade, historiador e diretor geral do Arquivo Público de São Cristóvão

 

 

Do barulho do sino ao silêncio da gruta

 

No Convento de Nossa Senhora do Carmo cada parede representa uma experiência de contemplação de um local que irradia a passagem da Santa. Visitar o espaço é imergir na história de fé da noviça que tocava o sino que, segundo a tradição católica, representa o próprio Deus convidando à santa missa e ao mesmo tempo conhecer a gruta onde a Irmã Dulce amava estar para, em meio ao silêncio, se conectar com Deus. 

 

 

 

 

 

No local hoje existe um memorial para celebrar a passagem da religiosa e contar a sua história e ao mesmo tempo, oferecer um ambiente de fé para os católicos e devotos da Santa. No memorial, aberto ao público, há representações dos objetos sagrados que marcaram a passagem da freira pela 4ª cidade mais antiga do país.

A amada boneca Celica, abdicada como prova de amor a Deus, o hábito preto recebido como símbolo do surgimento de uma vida com Cristo, o hábito azul e a coroa de flores com os quais foi agraciada após os votos perpétuos. A aliança que é uma representação do compromisso com Deus no noviciado, além de uma imagem da Santa. 

 

 

 

 

“A existência desse memorial nos mostra que aqui passou uma mulher de fé, é um espaço que inspira a todos a viver uma vida de entrega a Deus. Às vezes olhamos para nós apenas como pecadores, mas a passagem da irmã por aqui mostra que podemos também ser santos. Mesmo quem não é religioso, ao saber que ela passou por aqui fica curioso, tem vontade de conhecer”, destacou Frei Henrique. 



Uma vida dedicada aos mais pobres

 

O historiador Adailton Andrade conta que quando criança, a irmã Dulce costumava rezar muito e pedia sinais a Santo Antônio, pois queria saber se deveria seguir a vida religiosa ou se casar.  Desde os treze anos de idade, depois de visitar áreas carentes, acompanhada por uma tia, ela começou a manifestar o desejo de se dedicar à vida religiosa. Começou a ajudar mendigos, enfermos e desvalidos. Nessa mesma idade, foi recusada pelo Convento de Santa Clara do Desterro, em Salvador, por ser jovem demais, voltando a estudar. 

 

 

Irmã Dulce, aos 13 anos de idade

 

 

Após sua passagem por Sergipe, a Irmã Dulce voltou para Salvador, onde encarou a missão de ensinar em um colégio mantido pela sua congregação, na Cidade Baixa, além de também assistir as comunidades pobres da região. Irmã Dulce foi beatificada em 2011, após a comprovação do seu primeiro milagre, operado em Sergipe. 

 

Em 13 de outubro de 2019, foi canonizada pelo Papa Francisco, tornando-se a primeira mulher comprovadamente nascida no Brasil a ser canonizada, e a 37ª santa brasileira. Foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz no ano de 1988 pelo então presidente do Brasil, José Sarney, porém não ficou com o título. Em 2001, foi eleita "a religiosa do século XX", em uma eleição que foi publicada pela revista Isto É

 

Após mais de 50 anos de entrega total à caridade, Irmã Dulce começou a apresentar problemas respiratórios, sendo internada no Hospital Português da Bahia. Em 20 de outubro de 1991, recebeu no convento, em seu leito de morte, a segunda visita do Papa João Paulo II ao Brasil para receber a bênção e a extrema unção. O "Anjo Bom" morreu em seu quarto, de causas naturais, aos 77 anos, dia 13 de março de 1992.

 

Uma trajetória que segue inspirando pessoas, religiosas ou não, com lições de amor ao próximo, como exalta o arcebispo emérito de Aracaju, Dom João José da Costa.

 

“Santa Dulce é um motivo de orgulho pela sua maneira muito simples de ser, seu exemplo de vida nos anima bastante. Seu testemunho de fé, de amor, de dedicação é uma grande referência para toda a humanidade. Nos orienta para que a gente não fique indiferente ao sofrimento e dificuldades das pessoas”.

 

O legado da Santa continua transformando pessoas por meio do testemunho daqueles que pela fé em Irmã Dulce, receberam uma graça, do acolhimento aos pobres, à cura aos enfermos. Histórias de fé como da senhora Elisabete Maurício do Nascimento, que vive em Aracaju, mas como servidora pública de São Cristóvão por 43 anos, sempre teve uma forte relação com o município. Ela há muito tempo é devota da Irmã Dulce e perdeu o marido, vítima da Covid-19, em 2021. Elisabete conta que parecia estar designada ao mesmo destino, até que o suave toque da Santa mudou a sua vida. 

 

“Eu e meu marido tivemos Covid, me internei lá no hospital dia 01 de março de 2021 com um quadro de saúde grave. Dia 5 de março lembro que eu estava deitada, sozinha na sala, quando eu vi uma pessoa que tocou em mim com aquela mão suave. Eu estava de bruços, porque quando a gente está de Covid, dorme assim. Na hora que eu levantei a cabeça, eu vi como se fosse um manto. Quando eu olhei aquele manto, eu sabia, era a Irmã Dulce dos Pobres, era ela quem estava ali”. 

 

 

Elisabete Maurício do Nascimento

 

 

A senhora conta que quando chegou a enfermeira, perguntou se alguém tinha entrado naquele quarto. A resposta foi que apenas ela, que acabara de chegar para aplicar a medicação, tinha entrado no local. Logo após, a enfermeira percebeu a melhora da saturação da mulher. 

 

Elisabete conta ainda que quando a médica chegou, confirmou a melhora, pouco depois ela começou a andar com ajuda da fisioterapia. Dois dias depois ela pôde, enfim, voltar para casa. “Foi uma graça que eu recebi, porque você via naquela pandemia que os corpos passavam cobertos na urgência. Infelizmente o meu esposo faleceu, mas eu agradeço a ela todos os dias pela minha vida. Eu tenho certeza que foi ela que foi me visitar”, contou, com a voz embargada. 

 

 

 

 

 

Horário de Funcionamento do Memorial de Santa Dulce

 

 Localizado no Convento do Carmo, o espaço tem entrada gratuita de terça a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Finais de Semana das 9h às 13h.



 

Fotos: Heitor Xavier, Jhonny Oliveira, Dani Santos, Márcio Garcez e acervo do Arquivo Público  de São Cristóvão.