VivaCidade: Praça São Francisco, patrimônio da humanidade, um orgulho que completa 13 anos

01/08/2023 - 19:53 Atualizado há 14 horas



 

Em qualquer um dos quatro lados da praça,  a vista alcança um cenário de beleza e história. É impossível andar por esses ladrilhos, observar essa paisagem e não se questionar sobre todos os momentos já vividos nesse lugar. 

 

As marcas do passado, e cada detalhe dessa arquitetura  nos levam a uma viagem no tempo, um encontro com a trajetória que nos trouxe até aqui. É uma visita à nossa história que nos trás ao mesmo tempo ansiedade e conforto. Um conforto que só se encontra no colo de mãe. Da Cidade Mãe de Sergipe. 

 

Localizada no seio da quarta cidade mais antiga do Brasil, a Praça São Francisco sempre foi um orgulho para a população sancristovense. A beleza desse lugar e a arquitetura histórica já faziam desse espaço uma grande atração.

 

Mas no dia 01 de agosto, durante a 34ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a importância desse lugar foi reconhecida em papel passado. A única candidata brasileira, entre trinta e nove lugares de diversos países, tornou-se patrimônio histórico da humanidade. O primeiro lugar em Sergipe e o 18º sítio reconhecido no Brasil.



Uma arquitetura única e uma história que se mistura com a do povo brasileiro

 


 

 

Desde a década de 1970 São Cristóvão já detinha o título de patrimônio nacional, mas através de pesquisas uma característica específica foi descoberta, que torna  a cidade um lugar único, atendendo aos critérios de originalidade exigidos para um título de Patrimônio Mundial:  de acordo com o comprimento e a largura exigida pela Lei IX das Ordenações Filipinas, a Praça São Francisco incorpora o conceito de Plaza Mayor, tal como empregado nas cidades coloniais da América hispânica e está inserida no padrão urbano-português de cidade colonial em uma paisagem tropical. 

 

Reflexo de um período onde Portugal e Espanha estiveram unidas, o seu patrimônio histórico reflete uma simbiose de uma arquitetura presente nesses países. Essa condição diferencia São Cristóvão de outras cidades com herança colonial, como explica Edílio Lima, arquiteto da Secretaria Municipal de Infraestrutura:

 

“Essa Plaza Mayor é a nossa Praça São Francisco. Esse formato mais quadrado, bem regulado, duro no sentido geométrico, é uma característica da ocupação espanhola e não da ocupação portuguesa. É isso que tornou possível a candidatura de patrimônio da humanidade. Porque nós temos outras cidades do período colonial, por exemplo, Laranjeiras. E além de  identidade e valor histórico, originalidade é fundamental. Só tem aqui essa característica de cidade do período colonial feita com influência espanhola”, pontuou. 



Edílio Lima, arquiteto da Seminfra

 

 

O arquiteto destaca também que em outras cidades coloniais, as praças de São Francisco são diferentes em função de um outro modelo de formação da cidade. Essas praças geralmente criam perspectiva para focar a igreja São Francisco. Em São Cristóvão há uma praça com estrutura retangular. 

 

Se a praça é reflexo de um modelo espanhol de ocupação, em volta dela, além da Igreja São Francisco, os prédios e casarios históricos, refletem uma arquitetura portuguesa típica das cidades coloniais, com detalhes marcantes como um arco em pedras de cantaria, no Pátio do Convento. 

 

 

Pátio do Convento São Francisco

 

 

Essa mistura de Espanha e Portugal é reflexo de um momento histórico, conhecido como Período Filipino, que culminou com a União Ibérica, como conta  o historiador e diretor do Arquivo Público de São Cristóvão, Adailton Andrade. Ele detalha que  o rei de Portugal D. Sebastião morreu muito jovem, em batalha. Como ainda não tinha filhos, ou seja, uma sucessão para o reino, Filipe II, que por questões familiares tinha influência na Coroa Portuguesa, reivindica o trono português, criando a União Ibérica, dominada pela chamada Ordem Filipiina.  

 

Outra característica marcante desse período é a ocupação histórica dos prédios em volta por diferentes poderes. Dentro do quadrado da praça foi constituído o poder religioso, que é o convento que na verdade é chamado de Santa Cruz mais conhecido por São Francisco em função da igreja ao lado, que também já foi a Assembleia Provincial e hoje é o Museu de Arte Sacra. O poder constituído, representado no antigo Palácio Provincial, prédio que  em 1826 foi comprado e adaptado para abrigar o primeiro presidente da província, Carlos César Burlamaqui, quando Sergipe, de fato, recebeu a independência da Bahia e que também recebeu Dom Pedro II em visita a Sergipe. No espaço já funcionou a Casa de Câmara e Cadeia e hoje abriga o Museu Histórico de Sergipe.  

 

 

 

 

As residências, ao lado do poente, onde hoje tem a Biblioteca Pública, que constituem a presença do povo e o poder militar onde hoje é o Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (IPHAN), que foi o Centro de Pagadoria da Marinha Imperial e Guarda Nacional.

 

Como expoente da cidade, a Praça São Francisco foi palco de eventos com influência marcante em acontecimentos históricos do Brasil, como a Revolta de Canudos, na Bahia. 

 

“Na república a praça tem influência de Canudos. Todas as três tentativas de tropas do Rio de Janeiro e São Paulo foram derrotadas. As tropas que conseguiram derrubar Canudos foram arregimentadas na Praça São Francisco, dentro do Convento. Foram arregimentados jagunços e  pessoas apenadas com porte de guerra, que  teriam a pena reduzida se conseguissem derrotar Antônio Conselheiro”, contou Adaílton.  




Adaílton Andrade, diretor do Arquivo Público


Da construção à ocupação, uma trajetória marcada pela participação popular 



O historiador e diretor do arquivo público explica que quando é destacada a influência do código Filipino na criação e formação da praça, muitas vezes é esquecido que isso é apenas um método de construção, um código diretor. O aspecto mais importante do espaço, porém, é a participação popular, que torna esse lugar ainda mais especial. Com uma construção iniciada pelos Franciscanos e pela comunidade local, ajudados inclusive por esmolas, o espaço carrega o valor do povo local e das odes religiosas. 



“O principal da história é sempre o sujeito. Um prédio sozinho não é muita coisa. Ele se constitui porque tem gente, o povo. E o que fortaleceu a candidatura da praça é que desde a época da colônia, todas as manifestações: eventos religiosos, Fogaréu, Senhor dos Passos, manifestações religiosas, políticas, militares, foram todas na praça, desde sua fundação no século XVII”, celebrou Adaílton. 

 

 

Festa do Senhor dos Passos

 

 

Toda essa participação faz da Praça São Francisco uma arena para a cultura, através de manifestações como as Caceteiras, o samba de coco e o Festival de Artes de São Cristóvão (FASC), criado na década de 1970 e que segue até hoje mobilizando milhares de pessoas às ruas da Praça e do Centro Histórico. 

 


Festival de Artes de São Cristóvão 

 

 

 

Caceteiras do Mestre Rindú

 

 

Essa relação da comunidade com o espaço, inerente à história da cidade, ganhou ainda mais força com o título. O orgulho por um patrimônio que sempre foi de São Cristóvão só aumentou com um reconhecimento que ultrapassou fronteiras e ganhou o mundo. 



“Eu posso contar uma  história interessante. Em viagem para São Paulo eu folheei  uma daquelas revistas do avião falando sobre os novos  patrimônios da humanidade e fiquei  super feliz porque eu estava com um grupo de pessoas e em uma das páginas estava a praça São Francisco, patrimônio da humanidade. Naquele momento eu disse, o mundo hoje conhece essa praça. Senti um orgulho muito grande de poder mostrar a revista dizendo, ó, a minha cidade tem um patrimônio e esse patrimônio mundial se chama Praça São Francisco. De São Cristóvão para o mundo”. 

 

Esse é o relato de Júnior Macário, um sancristovense que carrega consigo o orgulho da Chancela e de ter participado da comissão formada para a candidatura ao título. 



Júnior Macário

 

 

“Foi um momento muito importante para mim, Isso traz pra gente é uma redescoberta daquilo de tão valioso que nós temos. Essa praça é um ícone que nos faz voltar ao passado no presente e eu amo viver  cada experiência, cada evento. Poder caminhar nela. Saber a importância que ela tem para o mundo aguça o sentimento de pertencimento para quem mora aqui em São Cristóvão”, comemorou. 






Preservar o patrimônio, guardar a memória 



“Nesses 13 anos de Chancela, cabe uma reflexão sobre a nossa história, que precisa ser conhecida. Só se ama o que se conhece. É preciso conhecer nossa história, criar pertencimento para defender”. Com essa frase, em tom de convocação, Adaílton descreve os desafios de preservar um patrimônio como a praça. A primeira dessas tarefas é propagar a história do lugar, que reflete a de Sergipe e do Brasil.

 

Para isso, são realizadas  atividades como o evento de celebração da Chancela, organizado pela Fundação de Arte e Cultura João Bebe Água (Fumtur),  que foi iniciado no último dia 28 e vai durar até o próximo dia 04. Para o prefeito Marcos Santana a ocupação da praça e a conscientização sobre a identidade e a preservação são instrumentos de defesa do título. 

 

“É óbvio que isso nos orgulha, mas o papel do administrador é primeiro estimular que as pessoas se sintam proprietárias do título. Porque senão passa apenas a ser um título. Cabe ao administrador público mostrar que essa praça tem papel fundamental, por exemplo na atração de pessoas para virem visitar a cidade, que podem gerar emprego aqui. Então, é preciso sempre vincular a condição  tanto de patrimônio nacional quanto de patrimônio mundial com aquilo que altera a vida das pessoas, senão elas não se sentem pertencentes a essa história”, pontuou o prefeito. 

 


Marcos Santana, prefeito 

 

 

A superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico (Iphan)- SE, Maíra Campos, reforça a importância dos laços de pertencimento e da consciência da comunidade sobre o valor do patrimônio como um instrumento para a preservação. 

 

“Quando a gente acolhe esses espaços, que são representativos de determinado momento da história da humanidade, a gente também tem como inseri-lo num contexto turístico. Para  contribuir pro turismo, estimular também o desenvolvimento econômico local. E por fim fortalecer os laços da comunidade criando um senso de pertencimento”, ressaltou.

 

 

Maíra  Campos, superintendente Iphan-SE

 

 

Maíra Também chama a atenção para a posição de destaque que o título confere a São Cristóvão, posicionando o município entre as grandes atrações históricas do nordeste. 

 

“Em Sergipe, São Cristóvão é a única cidade chancelada pela UNESCO. No Nordeste a gente tem um centro histórico de Olinda, de Salvador, de São Luís e a Serra da Capivara no Piauí. Então, os bens que a gente tem na região nordeste não são muitos.  No Brasil no total a gente tem vinte e três bens que  são classificados entre culturais naturais e mistos,  mesmo tendo um vasto patrimônio cultural brasileiro, a chancela mundial coloca São Cristóvão em roteiro de interesse global”, celebrou a superintendente.. 



Além da conservação da memória, há a necessidade da preservação física desses espaços, que esbarra em políticas públicas insuficientes para garantir os recursos financeiros necessários para a manutenção dos patrimônios- no caso da praça, há uma série de exigências para a manutenção do título-. Dessa forma, as cidades  dependem do orçamento limitado das gestões municipais, como lamenta a presidente da Fumctur,  Paola Santana: 

 

“A gente não tem nenhum tipo de financiamento específico para patrimônios históricos, é um pleito do prefeito toda vez que vai para Brasília. Ocorrem conversas com os parlamentares, mas não existe nenhuma emenda específica. Seja de governo federal, ou estadual. Então, as cidades que têm patrimônio fazem a manutenção basicamente com recursos próprios. A gente faz parte de um grupo seleto de cidades com patrimônio e  é uma demanda recorrente nesses encontros conseguir viabilizar com os parlamentares e governo federal um tipo de financiamento específico para cidades que têm patrimônio”



Paola Santana, presidente da Fumctur

 

 

A praça de braços abertos para o mundo



Um complexo turístico está disponível ao redor da praça para receber sancristovenses e turistas. Além da praça, o entorno conta com museus, igrejas, casarios antigos, café e muito mais para garantir a satisfação de quem deseja viver essa experiência. 



📍Igreja e Convento São Francisco: abriga hoje o Museu de Arte Sacra de Sergipe. Considerado um dos mais importantes do Brasil, o MASSC tem mais de 500 obras de arte sacra, num acervo com peças do século XVIII e XIX, vindas de doações de todos os cantos do Estado. Funcionamento: De Terça à Sexta-feira – das 08:00h às 12:00h de 13:00h às 17:00h. Sábados e Domingos – das 09:00h às 17:00h

 

 

 

 

📍Igreja Santa Izabel e Santa Casa de Misericórdia: 

Mais uma construção antiga, da primeira metade do século XVIII. O prédio do hospital já foi asilo, orfanato e atualmente abriga o Centro Administrativo da Prefeitura Municipal de São Cristóvão.

 

 

 

 

📍 Casa das Culturas Populares: O local chama a atenção desde os bonecos em sua entrada, representando grandes ícones de grupos populares do folclore sancristovense. Também estão presentes brinquedos e peças que referenciam um pouco da cultura, além de totens explicativos sobre as manifestações importantes como o Batalhão de São João, o Langa, as Taieiras, e muitos outros. Horário de funcionamento: Terças a Domingo- 9h às 17h, Feriados – 10h às 15 horas.

 

 

 

 

📍Biblioteca Pública Lourival Baptista: Com uma história que remete à primeira biblioteca de Sergipe, o espaço tem um rico acervo, disponível para o público. Funciona em um antigo casario colonial. Horário de Funcionamento: segunda  à sexta- 8h às 17h. 

 

 

 

📍 Museu Histórico de Sergipe

Funciona, desde 1960, como o Museu Histórico de Sergipe, cujo acervo é composto de relíquias da época do Brasil Império. Atualmente o local está passando por reformas. 

 




 

 

📍 Casa dos Saberes e Fazeres: É mais um dos antigos Casarios, um espaço para apreciar o artesanato local. 

 

 

 

Patrimônio de São Cristóvão e da humanidade

 

A história construída ao longo de mais de quatro séculos pelos  que vieram antes de nós, se une aos instantes que  vivemos neste lugar, sem contar os momentos que serão registrados pelas muitas pessoas que ainda vão  conhecê-lo. 

 

Todas essas memórias fazem da praça um santuário de lembranças imortais, que pertencem a cada um de nós e merecem ser guardadas, como uma herança, ou melhor, um patrimônio. De São Cristóvão, de Sergipe e da humanidade. 










Fotos: Heitor Xavier, Dani Santos, Márcio Garcez e Fernando Correia.