VivaCidade: conheça o Complexo do Carmo, onde habita o silêncio dos claustros e ecoa historicidade e beleza

02/02/2022 - 17:36 Atualizado há 1 hora



O complexo do Carmo fica localizado na Praça Senhor dos Passos, parte alta da cidade, com vistas para a Igreja Nossa Senhora da Vitória e o Rio Vaza Barris. É considerado um dos principais símbolos do patrimônio histórico e religioso do município de São Cristóvão. O conjunto religioso, histórico e arquitetônico é composto pela Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, chamada de Carmo Maior, pela Capela da Ordem Terceira ou Carmo Menor, pelo Museu dos Ex-votos e o Memorial Santa Dulce dos Pobres, fundado mais recentemente e também mantido pelo frades carmelitas. 

 

Construído em estilo barroco, o complexo foi edificado 109 anos após a fundação da cidade, numa obra que se estendeu ao longo dos séculos XVII e XVIII, mas que teve início nos idos de 1699 pelos religiosos Carmelitas Calçados, que chegaram à cidade por volta de 1618 para difundir a sua obra. Por diversos períodos a partir da sua fundação, a Igreja, sobretudo a que chamamos de Carmo Maior, foi perdendo a originalidade na arquitetura e ornamentação. Tal perda ocorreu, principalmente, em decorrência da necessidade de restaurações, a exemplo da ampliação da capela, que aconteceu em 1739 e se estendeu até 1745 a 1766, a última data está marcada na fachada da Igreja. 

 

Parte do altar da Igreja do Carmo Maior

 

Frei João Marcos Leal Lima, morador de São Cristóvão e conhecedor do contexto histórico do conjunto do Carmo, explica a razão das mudanças ocorridas nas igrejas ao longo dos anos, responsáveis pela descaracterização do seu estilo original. “Em 1637, quando os holandeses chegaram a São Cristóvão, havia um pequeno convento que logo foi destruído por eles, a partir daí, por algumas vezes o convento e as igrejas precisaram ser refeitos, o que desencadeou muitas mudanças na construção original, principalmente no Carmo Maior, que passou do estilo barroco ao estilo neoclássico”, explica.

 

Frei João Marcos Leal Lima

 

Altar principal da Igreja da Ordem de Terceira ou Carmo Menor

 

Nos dias atuais o local funciona como convento de noviciado, ou seja, lugar onde os frades mais jovens residem antes de concretizarem os votos. E mesmo diante das alterações sofridas ao longo dos anos, ainda hoje o complexo têm como principal característica a riqueza de detalhes, desde as portas, as colunas dos claustros que ligam as igrejas, os altares secundários do Carmo Menor, que resistiram às reformas, assim como as pinturas estampadas na parede e no teto, que revelam a história da ordem carmelita e a de Santa Teresa, que teve uma estreita ligação com a ordem.

 

Claustro do Convento do Carmo

 

Pintura do teto com os passos da Santa Teresa

 

Imagem de Senhor dos Passos, peregrinação no Carmo Menor e outras imagens

 

A igreja do Carmo Menor foi fundada mediante a necessidade de reunir os chamados leigos católicos, aqueles que imergem na espiritualidade, transmitem a fé e os preceitos divinos, porém sem a necessidade do celibato. O local é também conhecido por abrigar a imagem de Senhor dos Passos, que curiosamente foi encontrada por pescadores,  encaixotada no Rio Paramopama, portando um bilhete que dizia “para a cidade de Sergipe Del Rey”.

 

Imagem do Senhor dos Passos

 

“A imagem foi trazida aos frades, que por coincidência tinham uma devoção por Senhor dos Passos. Assim que chegou, ela não foi colocada no altar secundário, que fica na lateral e sim no altar principal, pelo nível de devoção que existia. A história do achado da imagem do Senhor dos Passos, pelos pescadores, foi rapidamente difundida, ganhando destaque na vida religiosa da população sancristovense” disse o frei.

 

Depois os frades mandaram fazer a Nossa Senhora da Soledade, chamada de Nossa Senhora das Dores, para acompanhar o Senhor dos Passos na tradicional procissão que anualmente atrai diversos peregrinos para a cidade. A procissão do Senhor dos Passos possui características europeias, como o hábito de cobrir a imagem ou de passar por baixo dela. “Há também a presença das velas que, segundo a tradição local, deve-se ao fato dos pescadores terem necessitado de iluminação durante o percurso com a imagem, do rio Paramopama até as Igrejas do Carmo”, explica o frei, ao enfatizar que assim nasceu uma tradição penitencial na cidade de São Cristóvão.

 

Nossa Senhora da Soledade

 

Ainda de acordo com o frei, é possível que a grande maioria das imagens presentes nestas igrejas tenha origem portuguesa, isso inclui Santo Antônio, Nossa Senhora da Boa Morte,  o Senhor dos Passos, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora do Bom Sucesso, Santo Alberto de Jerusalém, dentre outras, exceto a Nossa Senhora do Carmo, que têm origem espanhola. Existem imagens mais recentes na igreja, feitas com o objetivo de completar algumas devoções carmelitas: Santa Maria Madalena de Pazzi, Santa Teresa d'Ávila e Santo Elias. Todo acervo das igrejas é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), exceto as mais recentes, que foram confeccionadas com madeira, no Brasil. 

 

 

Nossa Senhora da Boa Morte

 

Santo Antônio

 

As políticas de preservação e o Conjunto do Carmo

 

A historiadora do Iphan, Flávia Klausing Gervási, diz que as políticas de preservação tiveram interesse no Conjunto do Carmo em diversos momentos. “O primeiro foi em 1938, quando o estado reconheceu a cidade como um Sítio Histórico, sendo este conjunto um dos seus elementos de destaque. Pouco depois, em 1943, tanto a Igreja Conventual do Carmo como a Igreja da Ordem Terceira, foram tombadas individualmente como patrimônio do Brasil pelo Iphan, por seus valores artísticos e históricos que mereciam destaque no plano nacional e em 1967, com o reconhecimento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de São Cristóvão”, disse.

 

Flávia Klausing Gervási, historiadora do Iphan

 

Ainda de acordo com a historiadora, “nos estudos realizados para a demarcação deste sítio urbano, o Conjunto do Carmo é lembrado por sua importância como um dos eixos norteadores da expansão urbana e por ser um elemento de interligação da cidade alta com o sítio natural, através da ladeira Porto da Banca. Espaço antigo de sociabilidade, formando um dos primeiros largos de São Cristóvão, este conjunto se manteve ao longo dos séculos e agregou novas funções, como o museu e o memorial, de modo a construir significados e permitir novas apropriações para os moradores e visitantes deste centro”, explicou.

 

 

Santa Dulce dos Pobres e o princípio da vida religiosa 

 

Com a saída dos carmelitas, muitas ordens religiosas passaram por estas igrejas, inclusive a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, a conhecida congregação da irmã Dulce, noviça que chegou à cidade no ano de 1933, professou votos e se tornou freira. Canonizada pelo papa Francisco em 13 de outubro de 2019, a primeira santa nascida no Brasil viveu no convento do Carmo por mais de um ano e, mesmo muito jovem, já demonstrava o alto interesse em tentar sanar as dores do próximo. 

 

 

Vestimenta de Santa Dulce dos Pobres, exposta no memorial

 

A cidade de São Cristóvão rememora a sua história através do Memorial Santa Dulce dos Pobres, inaugurado em 04 de abril de 2009, quando a religiosa ainda não havia recebido o título de santa. Localizado no convento do Carmo, o acervo é rico em fotos e objetos que pertenceram à santa, além de preservar uma gruta que foi construída ao fundo do convento. Uma tradição comum das freiras, que deixavam essa marca por onde passavam, como uma homenagem à milagrosa Nossa Senhora de Lourdes.

 

Gruta que foi construída em homenagem à Noss Senhora de Lourdes

 

Em São Cristóvão, o diferencial da gruta é a memória da santa Dulce, que utilizava o local para rezar ou conversar com as demais monjas da congregação. 

 

Museu dos Ex-Votos

 

Detalhes do altar da Igreja do Carmo Maior

 

Confira o vídeo com os detalhes do Complexo do Carmo

 

 

 

Funcionamento geral

 

Para que turistas e/ou devotos conheçam a história completa do Complexo do Carmo e a estreita ligação que a Santa Dulce teve com a cidade, o local fica aberto de terça-feira a sexta-feira das 8h às 12 e das 13h às 17h. Aos sábados e domingos o horário é reduzido e os visitantes podem apreciar o local das 8h às 12h. Já as missas são realizadas às 17h dos sábados e às 7h no domingo.

 

 

Fotos: Dani Santos e Heitor Xavier